domingo, 5 de setembro de 2010

Variações em torno do tema da ceifeira

Gato que brincas na rua
Como se fosse na cama,
Invejo a sorte que é tua
Porque nem sorte se chama.

Bom servo das leis fatais
Que regem pedras e gentes,
Que tens instintos gerais
E sentes só o que sentes.

És feliz porque és assim,
Todo o nada que és é teu
Eu vejo-me e estou sem mim,
Conheço-me e não sou eu.

Fernando Pessoa (1931)


Marc Chagall, Le Poète (1911-12, The Philadelphia Museum of Art)

     Um poema que só para os mais distraídos fala de gatos (deve ter sido por isso que resisti até agora a postá-lo) e os gatos quase humanos de Chagall.

sábado, 4 de setembro de 2010

Frivolidades

Há dias em que poderia jurar que
estão tristes os olhos do meu gato,
mas não, é apenas a melancolia
ilícita que o meu devaneio lhes empresta.
Os gatos tristes, se é que os houve,
morreram talvez num Inverno fugaz e antigo.
E, no fundo, acabo por mais gostar deste.

É por desrazões semelhantes que se escreve
um poema, essa coisa singela
absoluta em frivolidade.


Manuel de Freitas, Todos contentes e eu também (Campo das Letras, 2000)


Édouard Boubat, Partition (1982)

     De novo o poeta a quem os felinos ficam bem e uma fotografia famosa - quando se trata de gatos, todas as leituras são possíveis, até as mais fáceis.

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Meramente ilustrativo...

Marc Chagall, Paris par la Fenêtre (1913, Guggenheim Museum, New York)

ZOOLOGIA: O GATO


Um gato, em casa sozinho, sobe
à janela para que, da rua, o
vejam.

O sol bate nos vidros e
aquece o gato que, imóvel,
parece um objecto.

Fica assim para que o
invejem — indiferente
mesmo que o chamem.

Por não sei que privilégio,
os gatos conhecem
a eternidade.


Nuno Júdice, in Assinar a Pele - antologia de poesia contemporânea sobre gatos (João Luís Barreto Guimarães, ed. Assírio & Alvim, 2001)

     ... o poema, claro, que o quadro é simplesmente um dos meus preferidos - com ou sem gatos.

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Gato é gato

POÈME DU CHAT


pour Claude Roy

Quand on est chat on n'est pas vache
on ne regarde pas passer les trains
en mâchant les pâquerettes avec entrain
on reste derrière ses moustaches
(quand on est chat, on est chat)

Quand on est chat on n'est pas chien
on ne lèche pas les vilains moches
parce qu'ils ont du sucre plein les poches
on ne brûle pas d'amour pour son prochain
(quand on est chat, on n'est pas chien)

On passe l'hiver sur le radiateur
à se chauffer doucement la fourrure
Au printemps on monte sur les toits
pour faire taire les sales oiseaux

On est celui qui s'en va tout seul
et pour qui tous les chemins se valent
(quand on est chat, on est chat)

Jacques Roubaud, Les animaux de tout le monde (Seghers Jeunesse, 2004)

Floc'h, The New Yorker (20/01/2003)
     Obrigada, L ! :)

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Vou de férias...

    Dubout, Les Chats (Éd. Marabout, 1990)


... volto em Setembro.

E se a verdadeira liberdade, como em Caeiro, for não pensar?

Franz Marc, Kater auf gelbem Kissen (1912, Staatliche Galerie Moritzburg)

LE CHAT

 

Pour ne poser qu'un doigt dessus
Le chat est bien trop grosse bête.
Sa queue rejoint sa tête,
Il tourne dans ce cercle
Et se répond à la caresse.

Mais, la nuit l'homme voit ses yeux
dont la pâleur est le seul don.
Ils sont trop gros pour qu'il les cache
Et trop lourds pour le vent perdu du rêve.

Quand le chat danse
C'est pour isoler sa prison
Et quand il pense
C'est jusqu'aux murs de ses yeux.
´
Paul Eluard, Les animaux et leurs hommes, les hommes et leurs animaux

     Os gatos não dansam, mas talvez pensem...

terça-feira, 10 de agosto de 2010

Gatos (e não ratos) de Biblioteca

LIBRARY CATS AROUND THE WORLD

     What is a library cat?
     It is a cat that calls a library its home. Most were homeless before being adopted by a library. Now Web-surfing cat lovers can find these felines that live in libraries by consulting the map. Visitors can click on any region of the world to view a list of the cats known to reside (or to have formerly resided) in libraries there. People can view photos of the cats, visit the cats' home pages on the Web, and even send them e-mail!
     The map contains information on nearly 600 library cats around the world. There are certainly more cats in the stacks. Iron Frog Productions would like your assistance in compiling the definitive list of library cats in the world. Visit the site and check out the ones from your area. If, 'purr' chance, you know of one that was missed, you can help update the list. In this way, you will play a part in creating a resource for people who would like to stop by on their travels to visit a library cat (as well as creating a memorial to past library cats).
http://www.moggies.co.uk/services/library_cats.html

Library Cats Map (www.ironfrog.com)

     Puss in Books takes a provoking and thought provoking look at cats that live in libraries throughout the United States. Most of these felines and the librarians who care for them belong to the Librarian Cat Society, an organisation who's mission is «to promote a establishment of a cat or cats in a library setting. As the director of the society says, «considering that these are 15 000 public libraries [in the United States], there seems to be much work to be done». Puss in Books goes behind the scenes - and between the stacks - to tell the story of this burgeoning movement.»

     Preciso de dizer que ADORAVA ver este documentário?

   

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

No mercy

     Deus fez o homem à sua imagem e semelhança, e fez o crítico à semelhança do gato.
     Ao crítico deu ele, como ao gato, a graça ondulosa e o assopro, o ronrom e a garra, a língua espinhosa e a câlinerie. Fê-lo nervoso e ágil, reflectido e preguiçoso; artista até ao requinte, sarcasta até à tortura, e para os amigos bom rapaz, desconfiado para os indiferentes, e terrível com agressores e adversários. Um pouco lambareiro talvez perante as coisas belas, e um quase-nada céptico perante as coisas consagradas; achando a quase todos os deuses pés de barro, ventre de jibóia a quase todos os homens, e a quase todos os tribunais, portas travessas. Amigo de fazer jongleries com a primeira bola de papel que alguém lhe atire, ou seja um poema, ou seja um tratado, ou seja um código. Paciente em aguardar, manso e apagado, com um ar de mistério, horas e horas, a surtida de um rato pelos interstícios de um tapume, e pelando-se, uma vez caçada a presa, por fazer da agonia dela uma distracção; ora enrolando-a como um cigarro, entre as patinhas de veludo; ora fingindo que lhe concede a liberdade, e atirando-a ao ar, recebendo-a entre os dentes, roçando-se por ela e moendo-a, até a deixar num picado ou num frangalho.
     Desde que o nosso tempo englobou os homens em três categorias de brutos, o burro, o cão e o gato – isto é, o animal de trabalho, o animal de ataque, e o animal de humor e fantasia – porque não escolheremos nós o travesti do último? É o que se quadra mais ao nosso tipo, e aquele que melhor nos livrará da escravidão do asno, e das dentadas famintas do cachorro.
     Razão por que nos acharás aqui, leitor, miando pouco, arranhando sempre, e não temendo nunca.

Fialho d'Almeida, Os Gatos I (Clássica Editora, 1992)


Pablo Picasso, Chat saisissant un oiseau (1939, Musée Picasso, Paris)

     No comments (quero preservar as minhas bolas de papel das jongleries felinas).